
Escultura de Mário Soares colocada no Jardim da Presidência da República.
Ver comunicado no website da Presidência da República
Texto do autor:
Mário Soares regressa a Belém
A escultura de Mário Soares é uma das primeiras obras de estatuária a ser realizada no período democrático, dedicada a uma figura proeminente da nossa história política. A democracia é ainda jovem, reclama-se mais distanciamento temporal e, na verdade, o género também entrou um pouco em desuso. Ou, pelo menos, na sua versão apoteótica e monumental, de que, na cidade de Lisboa, as dedicadas a D. José ou ao Marquês de Pombal são exemplo. A democracia implica um outro olhar sobre o exercício do poder político. Este passa a ser, não só transitório, como feito por cidadãos comuns cuja notoriedade se deve a mérito próprio e não a descendência ou privilégio. Nesse sentido, na escultura contemporânea dedicada a figuras históricas dá-se um evidente descer à terra.
Mesmo assim, assumindo a qualificação de estátua, a minha versão pretende ter algo de monumental. Não tanto na escala, ainda que maior do que o real, mas na mensagem. Homem da palavra política e, no seu gosto pela escrita e pela leitura, das letras em geral, representei Mário Soares sentado num conjunto de palavras carregadas de significado para a vida do próprio e para todos nós. Neste enquadramento, Europa não é só um local geográfico, mas uma ideia forte que une o que esteve separado por séculos de conflitualidade e que, muito graças a Mário Soares, se tornou no grande projeto político das gerações contemporâneas. Do mesmo modo, Portugal, Liberdade, Abril, Humanismo, Solidariedade ou Cultura, entre outras, são mais do que meras designações, mas conceitos e símbolos abertos a múltiplas interpretações.
Apreciador da complexidade gerada por coisas simples, criei uma escultura bastante despojada. Excetuando um discreto livro, não tem outros adereços ou efeitos que só acrescentariam ruído. A própria escolha do material, pedra artificial, e do colorido, branco, favoreceram a sobriedade. A textura é algo rude na parte das palavras, mais lisa e ligeiramente mais clara na figura.
Na criação utilizei sofisticadas tecnologias digitais. Desde logo, com a digitalização do próprio Mário Soares realizada em 2014 na sua Fundação. O modelo 3D que daí resultou foi trabalhado, substituindo-se o cadeirão verdadeiro pelo novo feito de letras, de seguida, utilizando impressão 3D, criou-se um molde para enchimento com pedra artificial.
Recorde-se que a digitalização do então Presidente Obama foi feita no mesmo ano de 2014. A tecnologia estava disponível, bastou a vontade.
A colocação da estátua de Mário Soares no jardim do Palácio de Belém é, em si mesmo, outro feito histórico. Ao acolher esta obra o atual Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, destaca a arte e a cultura, num tempo em que é tão necessário fazê-lo, mas vai mais longe. Ao reconhecer o mérito dos outros dá, sobretudo, uma lição de civilidade e democracia.
Leonel Moura
Agosto de 2021