Autor: Troufa Real Prof Arquitecto
UMA SERPENTE HABITÁVEL
E OUTRAS COISAS EM MARVILA
Desde há muito que Lisboa tem enormes prédios, uns são os grandes conventos e palácios, blocos abstractos e cúbicos – os outros são gigantescas construções antropomórficas.
O Paço da Ribeira foi um dragão a entrar pelo Tejo adentro. Depois do terramoto fizeram as centopeias com cabeças brancas e quadradas (sem chapéus) e cheias de ministérios que olham sobre o “parking” do Paço.
Esta liberdade de pensar e realizar a cidade de uma outra maneira que não seja só às pequenas fatias e cantos recuperou-a já o Taveira, e é com essa mesma liberdade que o Troufa imagina alguns enormes trabalhos que ninguém lhe encomendou.
Em Marvila, o desnível entre a colina e a zona ribeirinha levou inevitavelmente à solução engenheira de um grandioso viaduto inclinado como aquele que arrumou com Vila Franca mas não tão deslocado e ultrajante como o acesso de Alcântara à Ponte Salazar.
O Troufa pega nessa mesma ideia e veste-a de torres e casas formando uma muralha com enormes arcos e passagens que ele relaciona urbanamente com os prédios vizinhos.
Diz o Troufa que a ideia da sua serpente habitável depende daquela obcecação Corbusiana com a antiga e delirante pista de corrida de automóveis na cobertura da Fiat em Turim, que culminou nas paredes curvas e habitadas de Argel e que o Afonso Reidy aproveitou no Pedragulho mas sem carros no sótão.
Mas, realmente, a figuração Troufiana é assim como um Karl Marx Hoff portuguisificado, um pedaço à maneira da Praça do Areeiro.
Será oportuno aqui lembrar que existem, com um atraso de cinquenta anos, parecenças e coincidências entre o minimalismo de Rossi, o neoclassicismo despido de Graves e o império do Português Suave de que Lisboa foi capital.
Essa ideia de espetar com os carros no sótão parece-me ser, em muitos dos casos mais aflitos, a solução para desentupir a cidade.
Em separado da serpente, os outros esquissos tratam de um outro tipo de prédio muito lisboeta. São desenhos de casa para locais com fortes desníveis. Prédios que descem pela encosta abaixo em degraus de um ou mais andares. Os prédios separam-se para deixar lugar para escadarias e escadinhas públicas e, também, para mostrar fragmentos de como era a encosta original.
Alguém desprevenido e desconhecedor dos segredos e gargalhadas do eixo Lisboa-Luanda poderia supor que a Marvila nova que o Troufa desenhou está vazia por causa daquela elegante e racionalista angústia e do depois do modernismo, mas não é essa a razão.
O Troufa assegura-me que é domingo à tarde e que Portugal joga hoje no Estádio Nacional o jogo decisivo da Taça dos Campeões.
Amâncio Guedes
Professor Arquitecto