Local: Av. Infante D. Henrique, Lisboa
Dono de Obra: APL, Administração do Porto Lisboa
Entidade Contratada: Troufa Real – Arquitecto Lda
Autor José Deodoro Faria Troufa Real
Coordenador Geral Arquitecto Dip ESBAL
Responsável Técnico Urbanista, Hons Dip Plan AA (Londres)
Área de Serviço APL Xabregas
Submarino em terra
Troufa Real homenageia o mar
De uma maneira geral, os projectos de Troufa Real, e naturalmente os seus desenhos, que são muitas vezes a génese deles, andam à volta de uma temática muito própria que se desenvolve e cruza com as linhas de força da terra onde nasceu – Angola – e o país onde estudou e agora trabalha – Portugal – ou melhor, Lisboa. Neste sentido, a sua principal temática, quase mítica, anda à volta do que ele chama “Imaginário do Império”, subdividida em “Barcos em Terra”, homenagem ao povo que desbravou o mar, “Petroleiros”, a nova saga da necessidade da interligação entre os continentes, e “Casas Portuguesas”, de vários modos o reconhecimento do fascínio que o equilíbrio da arquitectura de Raul Lino sempre lhe mereceu, devido ao entrosamento que conseguiu entre uma certa rigidez do Norte e a amenidade das marcas do Magreb na Península Ibérica, recuperando a relação mediterrânica numa simulação dócil, onde os azulejos têm uma função primordial, estilo arquitectónico que viria a desembocar no que classifica estilo Português Suave, que tem por epígonos os arquitectos Cassiano Branco, Cristino da Silva e Carlos Ramos, este, autor, em pleno ambiente pombalino, do célebre edifício da Casa da Imprensa, em Lisboa, com as suas linhas simples e objectivas, mas em profunda ruptura com todo o ambiente que o enquadra, embora paradoxalmente, na sua sintonia.
Nas suas últimas obras, nomeadamente as suas intervenções na EXPO‘98 e actual Parque das Nações, a sua concepção arquitectónica, que se reflecte com particular acuidade nos seus desenhos, resulta do discurso cultural estabelecido pelo autor do Plano, ou seja, carregado de intenções diversas, que sugerem objectos arquitectónicos sobre o embasamento, variados e passíveis de diferentes combinações como um “puzzle” ou “Lego” tanto ao nível da forma como das cores e ornamentos.
Foi neste sentido e em consequência dessa notável re-invenção urbana para a EXPO ‘98, que apelava à diversidade, variação de cores, etc, que propôs para o edifício Gil Eanes a referência simbólica da Bandeira de Portugal. Não o entenderam assim alguns responsáveis, que preferem continuar como guardiães de velhas fórmulas e receitas a enfrentarem o risco das inovações, pelo que, a pedido, acabou por ir à lixívia, acabando por ficar todo branco, para sossego, pelos vistos, de muitos cidadãos preocupados. Paciência. Ficaram o Plano de Pormenor, o PP3, que contempla uma área significativa, e o edifício das Casas do Tejo, que se trata de facto de um “cadáver esquisito”, à maneira dos surrealistas, metade edifício em Terra, metade navio fantástico encalhado na Expo’98, para de algum modo minorar as suas ânsias de infinito de “arquitecto arrependido que queria ser marinheiro”, edifício que surpreende com os seus aspectos variados e inesperados, sobressaindo uma “quilha” de rotura entre duas atitudes distintas “o Mar” e os “Barcos em terra”, da qual resulta uma síntese de informalidade e intimidade, e cuja poética se traduz numa arquitectura simbólica inspirada nos Descobrimentos, na mensagem Bíblica e Cristã do Ocidente e na aventura por terras de além-mar (Manuelino, Fortes e Fortalezas do Antigo Império, o Mar e a Terra, o Sol e a Lua, o Branco e Preto do Templo, luz e trevas, o Dia e a Noite), elementos que têm muito a ver com o que Teixeira de Pascoais designava de Lusitude, termo que lhe é muito caro, e que, de alguma forma, concretizou no projecto que apresentou no concurso para o Centro Cultural de Belém, que imaginou como uma grande esfera armilar, símbolo de D. Manuel I.
Efectivamente, o edifício “Casas do Tejo” é um projecto exemplar dos seus “Barcos em Terra”, cuja poética se baseia numa arquitectura simbólica inspirada no imaginário dos descobrimentos e na aventura do mar (Manuelino, Fortes e Fortalezas do antigo império, as gares marítimas, o mar e a Terra, o Sol e a Lua, o Branco e o Preto do Templo, o Dia e a Noite…)
Conforme assinalou Nuno Ladeiro, na revista “Urbanismo”, Nov./Dez.1998, nº 2, “O edifício surpreende com os seus aspectos variados e inesperados, sobressaindo uma “quilha” de rotura entre duas atitudes distintas “o Mar e os Barcos em Terra” da qual resulta uma síntese de informalidade e intimidade.
A interacção com a paisagem circundante sugere um navio. Será certamente pela concordância estrutural entre a arquitectura naval e uma forma de entender os edifícios.
As duas linguagens deixam-se transparecer a nascente e a poente através de um eixo que, vindo do solo, rasga cinco planos horizontais e reaparece na “Proa” com grande pujança, enriquecendo e dinamizando todo o edifício. Este dinamismo é fortalecido pela existência de aberturas largas e contínuas (alçado nascente) contrastando com outras de menor dimensão (alçado poente), jogando com uma correcta e magnífica colocação de volumes debaixo de luz”.
Nestas últimas obras, no actual Parque das Nações, a sua concepção arquitectónica reflecte-se com particular acuidade nos seus desenhos, como resultante do discurso cultural estabelecido pelo autor do Plano, ou seja, carregado de intenções diversas, que sugerem objectos arquitectónicos sobre o embasamento, variados e passíveis de diferentes combinações como um “puzzle” ou “Lego” tanto ao nível da forma como das cores e ornamentos.
De vários modos, a Área de Serviço APL de Xabregas, seu projecto de 1999, é igualmente um “cadáver esquisito”, jogando insolitamente, no lado da terra, com o silêncio da imagem de um submarino, e, no lado do rio, com a imagem compósita de um edifício da geração modernista portuguesa típico da beira-mar, muito usado nas instalações portuárias daquela época, sobretudo nas gares marítimas de Pardal Monteiro.
Trata-se de uma Área de Serviços de apoio aos TIRs, com bombas de gasolina, e o restante equipamento correlativo a esta actividade de transportes internacionais, nomeadamente balneários e vestiários para os camionistas, além de bar, restaurante, esplanada e uma loja de conveniência.
É uma homenagem discreta aos barcos e ao mar, que é uma das obsessões do autor. Desta vez é um submarino, retomando a imagem que já tinha utilizado no projecto de ampliação da Estalagem da Serreta, Açores, nos anos 80, ao fazer emergir um submarino vindo da Atlântida, lugar da lenda e terra dos mitos que encalham sempre muito apropriadamente nos sítios portugueses aureolados pela névoa e mistério.
Nesta fase, as cores estão a ser testadas, mas a ideia inicial deverá ser cumprida, devendo o edifício ficar prateado, como muitos navios, para que o impacto visual seja mais contundente em realismo e, ao mesmo tempo, ilusão.
Efectivamente, deste como dos outros projectos de Troufa Real se pode dizer que são um pedaço de quem os faz e o rigor advém-lhe da radicalidade de traduzir a sua própria vida, a sua história, com simplicidade e eficácia, devendo ser, por isso, lidos com o olhar que desfruta o tempo na conformidade com outros quereres.
Rodrigues Vaz
Jornalista