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Dez 23

O sentido do desenho de Arquitectura em Troufa Real

O mecanicismo industriaL produziu reprodutibilidade, impôs “modelos” para a domesticação do imaginário e alargou dispositivos topológicos de vigilância e repressão.

O “estilo moderno” na arquitectura correspondeu a essa forma redutora da modernidade.

Esta forma de movimento moderno parecia derrotada com o surgir da contestação social na década dos anos 60.

Porém, esse espírito dogmático e desencantado tem vindo a consolidar¬se com a globalização hegemónica. E arrasta consigo as formas mais conservadoras dum totalitarismo repressivo.

Transformar as nossas cidades em mega-máquinas, esvaziar a arquitectura do valor artístico e simbólico e impor “não-lugares” de pensamen¬to único face à multiculturalidade, são a tentação dos tecnocratas e dos totalitários que proliferam nos nossos dias. Troufa Real é antítese disso.

Os desenhos de arquitectura de Troufa Real são a expressividade poética dos lugares. O desenho criativo desenvolve-se como um “processo” e não como “modelo”. É uma viagem em que as imagens dos edifícios integram valores culturais múltiplos, moldam e deixam-se moldar pela paisagem. Surge assim um diálogo, uma interacção entre o edifício e o sítio, entre o natural e o construído. A arte de arquitectar é antes de tudo um gesto criacionista!

Vejam-se os desenhos do “monumento à lusitude no Tejo”, “as casas do Tejo”, a “casa da Serretinha, nos Açores”, a “Associação Islâmica de Macau” e constatamos como a envolvente paisagística age na matriz do edifício. Nesses lugares, à beira do mar, as arquitecturas parecem barcos. São formas geradas pela própria água. São formas expressivas e simbólicas, com vida orgânica e dinâmica, sem ortogonalidades redutoras ou tipologias estáticas.

Os edifícios são morfologias que se plasmam nas formas do sítio envolvente e na multiculturalidade dos lugares.

O desenho em Troufa Real respira assim um humanismo feito de singularidades que compõem a sua própria unidade.

Cada desenho exprime sistematicamente a relação entre natureza e cultura, entre local e global, entre arte e técnica.

Este processo de desenho criativo contrapõe-se a qualquer formalismo convencional e corporativo. A arquitectura é um “corpus” transdisciplinar e não se restringe a tiques, tipologias ou códigos de manipulação mecânica.

Troufa Real é o oposto do servilismo. É mesmo transgressão e combate a qualquer sistema de regulação disciplinar opressiva. Todavia não é desordem caótica a feitura da sua arte. Vislumbram-se constantemente subtis harmonias feitas de múltiplas polaridades generativas de sínteses criativas.

Os desenhos geram-se não a partir de “tipos” mas de arquétipos matriciais e simbólicos.

Vejam-se as imagens das palmeiras que ressurgem em vários desenhos e que aparecem cromaticamente no tema do “Yacht Constança”. A palmeira é sempre singular. É desenho de uma forma sempre original. No entanto é um arquétipo simbólico recorrente. Várias vezes utilizado, é mesmo uma intrínseca imagem de si próprio como nos manifesta essa sua “assinatura” para um “ex-libris”.

A palmeira do desenho “estamos juntos” é diferente das outras palmeiras do desenho do “batem palmas as palmas das palmeiras”. São diferentes as cores e as formas dessas propostas para o “Yacht Constança” ou ainda para o estudo dos relógios. O valor simbólico do arquétipo une mas não homogeneíza como a tipologia redutora.

É uma cosmovisão espiritual que se expressa nos desenhos de arquitectura de Troufa Real.

Uma cosmovisão feita de utopia futurante que se insere numa tradição messiânica de quinto império da humanidade feito de povos diferentes, de culturas diversas e de cooperações múltiplas. A geometria sagrada ganha sentido como referência a um impulso milenar. Exprimem as aspirações dum artista intérprete dum sonho multicultural e de mestiçagem, construído com encantamento, com feridas e sorrisos, com angústias e desejos que fazem desta obra uma utopia de esperança.

 

Jacinto Rodrigues
Arquitecto Paisagista. Professor
05.2002