Não raras vezes tenho dado por mim a interrogar-me sobre desde quando, e como, conheci o Zé Troufa Real. Sei que já passaram umas largas dezenas de anos mas nunca consegui chegar à conclusão de quando foi. A análise dos nossos trajetos de vida indiciam uma pista mas uma coisa é certa devem-se ter cruzado fisicamente em Lisboa em finais dos anos 50, inicio dos 60, ocasionalmente através de amigos comuns. Sou naturalmente extrovertido e a minha natural sociabilidade sempre me levou a considerar que, parafraseando um ditado popular, “ Os amigos são como as cerejas, vêm uns atrás dos outros.”
Sou oriundo do Colégio Nuno Álvares,de Tomar, onde fui aluno interno e conheci uma multidão de colegas, número que sempre considerei diminuto e deu origem a amizades que felizmente continuo a cultivar sempre que posso. Chegado a Lisboa fui para o Instituto Comercial, na altura na Rua das Chagas ao Camões, e depois para Económicas, em São Bento. Na altura estudava-se nos Cafés e, até pela localização destas Escolas acampei na Baixa onde pontificavam os Cafés Paladium, Martinho, Nicola e o Chiado, a que pomposamente chamávamos A Real Academia do Chiado. Eram verdadeiras Tertúlias a que muito devemos a nossa Formação Cultural e Política, onde aprendemos a crescer como Pessoas com mais ou menos interveniência mas sempre com o despertar para a cultura dos Valores Éticos que nos levavam à consciência da necessidade da Luta pela Liberdade, como forma de o HOMEM o ser em toda a sua Plenitude.
Quando fechavam estas “ Universidades “ era vulgar continuar a discussão pela noite dentro no Largo do Chiado no Camões ou no Rossio, conforme a zona de pernoita dos intervenientes, e semanalmente resolvíamos os problemas macroeconómicos, ou de que natureza fosse, de Portugal, da Europa e do Mundo, problemas que na altura nos atormentavam e dos quais, infelizmente, a maior parte ainda continua por resolver. Ainda bem que assim era pois com a nossa juventude, ainda que com a correspondente ingenuidade, mal seria não estarmos disponíveis para discutir e querer contribuir para a resolução desses problemas. Felizes dos que ao longo dos tempos conseguem manter esta postura, tirando partido dos desaires sofridos como forma de aprendizagem e incentivo para continuarem a lutar por aquilo em que acreditam.
Também semanalmente matávamos o Salazar e a Pandilha dos seus Acólitos , responsáveis pelo nosso atraso e tanto sofrimento. Verdade seja dita que eram na verdade resistentes pois ainda que mortos semanalmente perduraram por tempo enraivecedoramente longo e desgastante.
Com tantos amigos do Colégio e das muitas Faculdades , já que os habituais TERTULIANOS eram oriundos dos mais “variegados” Cursos e Saberes, dificilmente não será destas andanças o nosso conhecimento que mais tarde se tornou na amizade que se tem alicerçado ao longo de tanto tempo. Acresce que mais tarde em Angola constatámos a quantidade de amigos comuns que participavam nestas lutas, nas Tertúlias e até na frequência da denominada Casa dos Estudantes do Império, verdadeiro alfobre dos Políticos e Lutadores que direta, ou indiretamente, vieram a concretizar os movimentos que por tanto tempo esperaram.
O meu primeiro contacto com Angola foi integrado num contingente militar. Conheci na altura uma realidade para mim completamente desconhecida que me marcou de forma intensa e indestrutível pelos conhecimentos que adquiri e, para mim de importância, a sensação de utilidade até na realização das coisas mais simples. Ainda conheci uma Luanda que se foi modificando com a chegada de mais tropa, que se desenvolveu mas deteriorando a vida simples que a caracterizava: a simplicidade na maneira de vestir onde imperavam os calções, camisa ou balalaica e muita sandália, o uso do Vale que hoje corresponderia ao Cartão de Crédito e era utilizado nos lugares que frequentávamos pela cidade, natural e regularmente pago no final do mês e uma relação sadia e fraterna que transformava as nossas relações num verdadeiro prazer e os os amigos em verdadeiros familiares.
Nos últimos 9 meses de comissão a Unidade onde era Oficial, comandada pelo Capitão Melo Antunes grande amigo com quem tanto aprendi, acompanhei ao longo do resto da sua vida e tanta saudade nos deixou, fomos colocados no Lubalo, na Lunda. Foi uma nova surpresa que muito me empolgou. Chamou a minha atenção o facto de ver muita gente sem pernas o que me levou a procurar saber se o seria devido a alguma doença característica daquela zona. Vim a saber que não se tratava de doença mas fruto de ataque de crocodilos, quando atravessavam os rios. Porque estávamos em zona de descanso a aguardar o final de comissão e respectivo embarque, com o apoio do meu amigo Cap. Melo Antunes e do Snr. Brigadeiro Silva Cunha, na altura Governador Militar da Lunda, grande Senhor de postura e ação que muito me surpreendeu e que curiosamente também se revelava na sua maneira de caçar – usava mira telescópica para identificação da peça, não abatia fêmeas, retirava a mira e só atirava ao macho se o animal tivesse uma hipótese de saída- propus-me a fazer uma picada entre o Camaxilo e o Cuilo fazendo pontes, claro que artesanais, nos rios que ia atravessando. Obtida a autorização vivi a maior parte dos 9 meses com uma seção e 50 trabalhadores contratados em acampamento itinerante ao longo da picada que ia fazendo. Quando vejo as fotos, que ainda guardo, recordo com saudade a vivência desses meses e a lembrança do muito que aprendi com todos, a beleza das danças, da arte Quioca e as fantásticas pessoas com quem convivi, verdadeiras figuras de dimensão humana merecedora de personagens de contos histórias, que faria com imenso gosto se tivesse qualidade para as contar.
Voltei a Lisboa em finais de 1965 e não resisti á atração que me empolgou. Casei e já com os 3 filhos escolhi Luanda para trabalhar, para onde voltei em 69 para o desempenho de funções na RENTA- Organização de Empresas. Fui encontrar Uma Luanda com uma vida já diferente e até algum interessante Movimento Cultural que, para além de motivador de algumas idas de Companhia de Revista e Teatro de Lisboa tinha Espectáculos com Desempenho e Encenações de Artistas de Luanda. A determinada altura estava em Luanda uma Revista que tinha o Nicolau Breyner como cabeça de cartaz e ao mesmo tempo um espectáculo com a Eunice Munhoz. Ficaram alojados em casa do Troufa Real e da Fátima, que eu já conhecia de solteira. O NICO era meu amigo desde que cheguei a Lisboa com muito convívio numa Pastelaria da Rua do Loreto, pouso habitual do seu grande grupo de colegas do Conservatório, e que eu também frequentava com Colegas do Instituto Comercial. A Eunice era casada com o António Barahona, que eu conhecia de outras Tertúlias da época e que já nessa altura escrevia Poesia e Teatro com umas incursões pela Pintura. Com todas estas ligações comecei a passar os tempos livres lá em casa , mesmo para além do tempo que em que estiveram em Luanda.
Entretanto o Troufa Real aglutinava um vasto grupo ligado às Artes Plásticas, grupo que passava longo tempo de salutar convivência, ainda que muito discutida, com igual frequência de reuniões em sua casa. Recordo desse grupo a presença assídua de jovens como a Gracinda Candeias, o Carlos Fernandes e o Puto Ferrão que infelizmente já nos deixaram, do Zé e Clotilde Fava e do Taquelim que para além da Arquitectura e Pintura também se notabilizou pela recuperação da traineira que lhe evocava a sua Baía de Lagos, traineira que e veio mais tarde a ser do Zè Real. Quando o Zé criou e dirigiu de Luanda lembro-me também de aparecer o Carlos Lança, que me fascinava pela segurança e firmeza do seu traço, mesmo quando desenhava um círculo. Também o conhecia por ser irmão do Adalberto, meu colega de Económicas, que integrava um grupo de maior convivência onde também se incluía o Ernâni Lopes.
Mais ou menos na altura em que mudei para o desempenho de funções na Direcção de Pessoal e Relações Públicas da TOTAL , em Luanda, vagou um Apartamento no prédio em que vivia o Zé. Claro que fiquei com ele e iniciou-se uma nova etapa que não esqueço na nossa relação. O prédio era no Prenda, com vista deslumbrante sobre a Baía e o Mossulo, com dois andares de Apartamentos em Duplex com óptimas e generosas divisões e com poucos e bons inquilinos por andar. Era difícil chegar a casa porque íamos parando pelos vizinhos e por vezes com paragens alongadas pela conversa e pelo copo. Foi aí que criámos o hábito de aos sábados termos Feijoada em minha casa, Mezungué em casa do Troufa e arroz Chau Chau em casa do seu primo Auto. Não era necessário convite pois era um prazer receber os nossos amigos. Por vezes eram bastantes.
Fui entretanto viver para a Açucareira Bom Jesus junto do Rio Quanza, na margem oposta à Reserva de Caça da Quiçama, no desempenho das funções de Director Administrativo. Aí acontecia de tudo com o nosso Grupo de Amigos. Um dia em que estive uns dias em Nova Lisboa e Silva Porto quando cheguei com a Zélinha, minha mulher, tivemos a grata surpresa de ter em nossa casa o Barahona com a Eunice e a filha , na altura ainda muito criança. Tinham voltada a Luanda para um espetáculo da Eunice e como tinham gostada do estar no Bom Jesus resolveram visitar-nos. Como não estávamos e souberam que estaríamos para chegar, ainda que não soubessem quando, instalaram-se e e esperaram por nós. Era o espírito da nossa maneira de estar.
Na época de Cacimbo não havia o hábito de ir à praia, o que dificilmente demorei a entender por nessa altura a água continuar mais quente do que no Algarve em Agosto. Então, claro que sem aviso prévio, apareciam os nossos amigos ao fim de semana, em grupo alargado de casais e respetivos filhos e por vezes em coincidência aparecia também um grupo com origem de base em antigos colegas do Colégio e com quem felizmente continuo com relação muito estreita. Curiosamente estão de novo ligados a Angola. O Pedro Moreira que também casou com uma minha prima era o Secretário da Camara de Viana , vive cá mas a filha Elisa, nascida em Lunda e que lecionou na Universidade Lusófona está como Vice Reitora da Universidade Lusíada de Luanda. O Mário Loureiro que esteve em Angola em comissão do Quadro de Administração Militar, que se reformou-se como Major para se dedicar à actividade privada tem, nas Caldas da Rainha, a FRAMI que é uma Empresa de Produção de Conservas Alimentares Sem Frio. também voltou a estar ligado a Angola, onde está a investir e a construir Armazéns de Distribuição precisamente no Bom Jesus em terrenos na Margem do Rio junto ao antigo edifício dos Escritórios da Açucareira.
Era divertidíssimo e como não havia Supermercado a solução era recorrer à compra de um porco, tarefa nem sempre fácil uma vez que a posse de cabeças de gado era indicador de prestígio pessoal, mas dadas as boas ligações que tinha com os empregados e o seu número, 2000, havia sempre quem não recusasse a venda do animal. Depois de morto não tinha tempo de arrefecer era pendurado numa Mangueira do pátio, cada qual ia cortando sem a preocupação de saber se era boa para grelhar ou para outro tipo de confecção, ia grelhando e no final restavam a cabeça e as patas porque os ossos eram um bocado duros. A sobremesa, que a miudagem não dispensava, eram os doces que traziam e a belíssima fruta tropical que abundava no quintal. Vinho? Muito pouco pois a carne era amaciada na boca com muita Cuca e Nocal. Os Licores, Gin e Wisky era o que se arranjava através da Tropa e o Angolano SBEL, fabricado no Lobito e que oS Sul Africanos bebiam sofregamente para se embezanarem mais depressa. Nem sequer mexiam como uma colher para libertar o álcool, como faziam alguns Portugas. Se hoje ainda se fabricasse seria uma boa medida ser dispensado pela Assistência Social aos idosos e desempregados, como forma de diminuir os Subsídios de Desemprego e de Velhice. Calhando ainda equilibrávamos as Contas Públicas.
O fim de tarde era passado no jardim vendo, aqui e ali, animais da Quiçama que vinham dessedentar-se no Quanza, e a contemplar o espetáculo único e inesquecível do Pôr do Sol Angolano. QUE SAUDADES.
Dispenso-me de referir os amigos comuns das nossas relações de Luanda, não por falta de interesse e de histórias espantosas mas porque alongaria um espaço,de que já estou a abusar. Era um grupo de pessoas nascidas em Angola ou que, , como no meu caso, enfeitiçados por África a escolheram como o seu local ideal de Trabalho. Quanto a mim a razão de , antes da Guerra Colonial, para trabalhar ser obrigatória a chamada “” CARTA de CHAMADA “” seria atitude tomada não por inconsciência mas de forma intencional pois, tal como nós, muitos teriam tomada a nossa de igual forma a nossa opção e estaria aberta a via que poderia levar a que se tivesse efectivado o Plano do General Norton de Matos. Quanta Miséria, Sofrimento e Mortes se teriam evitado.
Que me seja perdoado mas posso deixar de contar dois episódios desta estadia, que muito me marcaram.
O Clube Naval , era um espaço interessante e de qualidade, tinha um bom serviço de Bar e Restaurante que nos levava à brincadeira de dizer que era o (( TAVARES RICO de Luanda )).
Homem com trabalho muito válido na Restauração da Linha de Cascais , origem do nome que para sempre o individualizou, o JÚLIO da RONDA resolveu tomar uma medida inovadora em Luanda e ainda pouco habitual em Lisboa : contratou para o Clube Naval uma RELAÇÕES PÚBLICAS. Vinda de Lisboa, mocetona bonita, Estampa de Mulher, nada conhecia do meio Luandense. Um dia foi lá marcado um Jantar de Homenagem. Não sei se terá sido a sua estreia mas quando lhe aparece o Zé, como de costume de Balalaica, Calções e Sandálias, disse-lhe que não podia entrar assim e que o Clube estava reservado para um JANTAR DE HOMENAGEM ao Snr. Arquitecto JOSÉ TROUFA REAL. Claro que o Zé limitou-se a responder: — ENTÃO FAÇAM A HOMENAGEM –, virou as costas e foi-se embora. Calculam a confusão dos convidados à espera de um Homenageado que não aparecia.
O Zé andava habitualmente de Calção, Balalaica – que continua a usar – e Sandálias. Claro que, sem meias, andar sempre com os pés cheios da tão característica areia vermelha de Luanda. Na altura era Arquitecto do Quadro da Câmara Municipal e penso que dirigia o Estudo de Implementação do Plano de Urbanização de Luanda. Um dia, no final do Despacho habitual o Presidente da Câmara, Sá Viana Rebelo, diz-lhe : — O Snr. ARQUITECTO NÃO SE SENTE MAL POR VIR A DESPACHO DE SANDÁLIAS E COM OS PÉS TODOS SUJOS ? A resposta inesperada que o deve ter marcado foi: — NÃO Snr. PRESIDENTE. SÓ ME SINTO MAL E COM NECESSIDADE DE ME LAVAR QUANDO SAIO DE DESPACHO. —
Estas duas mostram o Zé Real mais coerente com a sua maneira de ser e com quem, ao longo de muitos anos de convivência, tenho tido tanta afinidade. Irreverente, desconcertante e sempre imprevisível é dos amigos com quem mais me me identifico, sobre tudo nas atitudes que toma e por vezes parecem ser de louco. só que a mim falta-me o Génio que ele esbanja em permanência , não só no seu trabalho como na sua maneira de estar.
Com tantos amigos comuns e vivências, que felizmente temos compartilhado, continuo a não conseguir saber como nos conhecemos. Não importa mas sei que a evolução tem sido assim:
ZÉ TROUFA / Arq. TOUFA REAL / Snr. Prof. TROUFA REAL / ZÉ DEODORO ( forma de tratamento que infelizmente já não compartilho com o nosso MQIr.!. e Bom Amigo JACINTO S. ). Um dia numa Sessão da FAO , já lá vão uns tempos, falei de Angola e sobre ti. No final o nosso Amigo SEBASTIÃO, de quem tanto gostamos, coma a sua benevolência e carinho , começou a tratar-me por Mano JÚLIO fazendo, sem querer, que com naturalidade tenha havido alteração para o nosso novo tratamento : passaste a tratar-me por MANO JÚLIO e tu, MMQIR.: e BOM ANIGO passa-te a ser o MANO ZECA.
Júlio Louro
11.12.2013