Ao longo destes anos tenho tido o privilégio de cultivar cumplicidades com este homem de Angola e África que se chama José Deodoro Faria Troufa Real, um cidadão de élite.
Desde que o destino fez cruzar os nossos caminhos na nossa Luanda natal, mais especificamente no bairro das Ingombotas, que tenho apreciado crescentemente as suas qualidades, das quais as mais notáveis, para além das suas aptidões naturais, continuam a ser a solidariedade e a fraternidade de armas.
Recordo muitos factos que me marcaram pela sua generosidade, abnegação e entrega, sobretudo no período que antecedeu a independência. Era um período de escolhas fáceis, quando bastava ser oportunista para fazer carreira. Mas o Troufa nunca abandonou os seus amigos. No período mais crucial, ele optou pela amizade, a lealdade e a fidelidade aos princípios, aceitando partilhá-los com homens como Gentil Viana, Liceu Vieira Dias, Fernando Paiva, Meneses Monteiro, Luís Carmelino Jota, Amélia Mingas, Maria do Céu Carmo Reis, Adolfo Maria e tantos outros, na época marginalizados e ostracizados, brindando-os com a sua solidariedade activa e efectiva, embora sabendo que ia prejudicar-se com isso.
Correu riscos, prejudicou os seus projectos profissionais, mas a sua consciência dizia-lhe que era necessário estar ao lado dos que sofrem e foi isso mesmo o que fez. Este é o homem que eu conheço. Pusilânime, sim, porque emotivo, mas de uma generosidade sem par, intransigente com as suas convicções e capaz dos maiores sacrifícios em defesa dos seus amigos.
Transpondo-o agora para o universo de Lisboa, capital das nossas culturas, cada vez mais mescla dos nossos povos, vejo o Troufa Real a calcorrear as ruas e os gabinetes, em defesa das primeiras vítimas do autoritarismo que se seguiu à independência de Angola.
Era necessário alertar a opinião pública internacional para as prisões dos seus velhos companheiros de luta e ele assumiu a sua condição batendo a todas as portas até à libertação de Gentil Viana e dos seus companheiros.
Fez esta campanha com lisura, transparência e sem revanchismo, sem cortar as pontes com o poder, assumindo que se tratava tudo de uma família e em família devia o problema ser resolvido.
Posição que faz, por outro lado, que tenha legitimidade o seu projecto de Angólia, sonho utópico da construção de uma nova capital para Angola, que poderia ter um papel fundamental na reconciliação nacional angolana, com o qual estou solidário desde a primeira hora.
Reportando-me à actualidade, continuo a encontrar-lhe o mesmo espírito de entrega, generosidade e abnegação. O Troufa Real continua teimosamente de pé em defesa de liberdades, direitos e cidadania, desafiando tabus, deuses e homens, entendendo que a vida não tem sentido se não for vivida desta maneira, um desafio que questiona todos os dias, preocupando-se com os outros homens.
Sinto-me lisonjeado por ser seu amigo e companheiro de luta. Homem de frontalidade rara, assume-se como defensor dos direitos humanos em todas as latitudes onde haja opressão, pobreza e miséria.
Carlos Belli-Bello
Embaixador itinerante do MPLA